Drops de uma vida na Alemanha – parte 2 (A Academia e o Supermercado)

Dia 1 na academia (até agora só tinha feito a matrícula 👌🏻🙄).

Estou na turma da terceira idade, com velhinhas que param de tanto em tanto para medir a pressão (JU-RO! E elas são muito melhores do que eu, mas vamos abafar o caso 😬)

15 minutos de aula, enxaqueca do cão, sinusite atacada, frio da porra, dei aquele show de perseverança e abandonei tudo, já me xingando pela infeliz ideia (lembrando que pego meia hora de estrada para ir e voltar, ou seja, o caminho demorou mais do que o exercício em si, mas vamos abafar o caso, parte 2, a missão).

Pedi desculpas, fiz carinho na cachorrinha (sim, a academia tem uma cachorrinha passeando entre os aparelhos ♥) e me despedi – totalmente no automático – dando um beijinho de tchau na professora, que tomou um susto e me empurrou (EMPURROU. E-M-P-U-R-R-O-O-O-O-O-O-O-O-O-O-O-O-U-U-U-U-U-U-U), falando bem alto, na frente de todo mundo: “cuidado, lembre-se que todos nós temos vírus!” 👌🏻

Quer dizer, praticamente nativa já, camuflada na multidão loira, absorvendo bem as diferenças culturais e bonding como se não houvesse amanhã. Demorei SÓ quarenta dias e um carão para conseguir entender que as pessoas não se encostam aqui. Never ever👌🏻🙄🙈

Lição aprendida, algumas sessões extras na terapia agendadas para lidar com a rejeição, resolvi parar no supermercado, que fica bem ao lado. Peguei a cestinha, não o carrinho, porque eram poucas coisas. E deixei minha caixa e sacolas no carro, porque sou uma imbecil e ainda não assimilei que aqui as pessoas precisam trazer as próprias sacolas (lembrando que estava -8 lá fora, mas vamos abafar o caso parte 3, o renascer da Fênix).

Deixei para a Ana Paula do futuro resolver a questão das sacolas e continuei pegando os produtos, naquele processo infinito de traduzir rótulo por rótulo, sem conseguir encontrar um simples desinfetante. Esfoliante já desisti, vou importar do Brasil, certeza que será mais fácil.

Aí achei uma SEÇÃO vegan.

Aí a cestinha transbordou 🙄

Aí eu derrubei tudo, compras para todo lado.

Aí uma moça se compadeceu, me ajudou a recolher os balangandãs e me trouxe outra cestinha (carrinhos precisam de moedas).

Aí, por pura preguiça de sair no frio para pegar as sacolas (e medo de sumirem minhas compras), fiz uma lambança equilibrista a la Cirque de Solei e segui satisfeita, toda carregada, porém orgulhosa da minha malemolência e “jeitinho brasileiro”. Chupa sociedadji, paguei e vou embora sem passar frio (grande erro).

Três passos na rua com tudo empilhado e o óbvio aconteceu: escorreguei na neve, derrapei, compras voaram, latinhas rolaram, celular novinho no chão com a tela (mais) trincada, chave presa na cesta, plantinha nova da sala esmilhinguida, xingamentos em português, aquela demonstração de elegância. Discreta, eu diria.

Estacionamento inteiro parado me olhando chilicar em slow motion, eu me sentindo a Gloria do Modern Family (em uma versão menos fitness, porque, né? Quinze minutos, minha gente, sejamos realistas), aquela vontade de chorar (crise de enxaqueca e sinusite, lembram?).

Aí surgiu um cara enviado pelos céus passando pela calçada, que não só me ajudou a recolher TUDO, como também carregou TODAS as caixas até o carro e, diante da (falta de) habilidade que Deus me deu, arrumou o porta-malas para mim 🙀

De terno. No frio. Sem derrubar uma agulha sequer (que eu não comprei, porque não costuro, mas vcs entenderam).

Por um momento pensei que poderia até ser assalto e ele fosse sair correndo equilibrando tudo, sem deixar cair nadica de nada, só para a humilhação ser maior.

Mas não, era só gentileza mesmo.

E assim aprendemos que velhinhas que medem pressão são boas na academia, que sempre se deve levar carrinho para o supermercado (não cestinhas), que buscar as sacolas no carro vale a pena e que sim, alemães são gentis, mas não querem abraços.

Placar geral: Alemanha 1 x 2 Brasil (pela possibilidade de abraçar pessoas sem retaliações) x Rússia ainda negativa na tabela.

E segue o jogo.

Drops de uma vida na Alemanha – parte 1 (A Russa)

Estava esperando a vida entrar nos eixos para contar da mudança, da casa, da escola, do transporte dos bichos (obrigada, Julia!), tudo com riqueza de detalhes e muitas, muitas, muitas fotos, mas sejamos francos: quarenta dias se passaram e eu nem desfiz as malas. Literalmente.

Atualização no whatsapp, redes sociais, e-mails respondidos e posts feitos são uma realidade que não me pertence mais. Subestimei rude a adaptação.

Então resolvi aceitar, que dói menos e partir para drops curtinhos sobre tudo e ao mesmo tempo sobre nada, que é o que temos para hoje. Shall we?

Nossa auxiliar é russa. Ela vem três vezes por semana, por míseras (e preciosas) três horinhas. E não fala uma palavra de inglês, espanhol, português, nem a língua do P, ou seja, esgotamos minhas possibilidades.

Nossa comunicação é feita basicamente via irmã dela, ao celular, por mímicas ou aplicativos de tradução, o que é bem bizarro, porque uma precisa ficar esperando a outra digitar e nunca tem muita certeza se a tradução foi fidedigna, ainda mais quando a reação dela não orna tanto com o que escrevi.

Tenho colocado muitos sorrisinhos nas conversas, para ver se ajuda. De duas uma: ou ela me acha muitíssimo simpática ou uma retardada, com diálogos do tipo:

“Só não mexa nessa gata, por favor, ela morde 😊😊😊😊”

ou

“O aspirador está logo ali ☺️☺️☺️☺️☺️”.

ou

“Meu marido quebrou uma garrafa aqui, cuidado! 🙂 “

Prefiro acreditar na primeira opção.

Pois bem.

Hoje a Russa quis estreitar laços.

Batemos o maior papo na mímica, faltou só uma cervejinha gelada para o clima ficar completo (lembrando que a sensação térmica é de -11. Super tranquilo e favorável).

Contou que está aqui desde 2003, que não gosta, sente falta da família. Filho está doente, com febre e vomitando.

Perguntou se eu era espanhola (?), a idade das meninas, me ensinou a tirar etiquetas com o secador, tomamos café juntas, um vínculo bacana sendo formado.

Eis que, DO NADA, ela vira e pergunta se estou grávida, com aquela mão na barriga CLARÍSSIMA, que não tem como disfarçar, nem ter sido um mal entendido linguístico.

Aí eu pensei nas (poucas, mas ainda válidas) horas que gastei na academia (merecem um post a parte, anotem aí).  Nas horas que passei na cozinha preparando comidinhas saudáveis (nem vou fazer  um post a respeito, digamos apenas que o alarme de incêndio foi disparado. Twice). Em todas as sobremesas maravilhosas que recusei na terra do apfelstrudel (um crime!).

E resolvi terminar assim nossa bonita amizade.

Alemanha 0 x Brasil 1 x Russia negativa na tabela. And counting.

Fim

#russasincera