– No aniversário do Arthur. Mas o papai dirige, tá, mamai?
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Na porta da escola:
– Como foi seu dia, Piló?
– A Pi bincou na aeia, nanou, papou, comeu maçãzinha, fez dodói no amiguinho, ficou tisti e chorou.
– É, filha? E aí?
– Aí a teacher lavou o rosto da Pi e passou. Mas só depois.
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Pi tentando abrir a janela do carro sem sucesso, por causa da trava:
– Ih! Acabou a bateria, mamai!
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No restaurante, encarando AND apontando para a moça com cara fechada na mesa ao lado, enquanto repetia, em alto e bom som:
– Olha, mamai! Essa moça tá MUUUUUUUIIIIIITOOOOO brava! Muitooooooo brava! Olha! Olha!
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– Filha, vc e a Lily ganharam esses banquinhos lindos de presente! Gostou?
– Gostei. Mas faltou a mesinha, né, mamai?
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Na porta do BANHEIRO do parque, entre uma troca de fraldas e outra, olho para o lado e vejo a Pi tomando um suco de caixinha de maçã. Tirado do lixo. Pela metade. No canudinho.
#worstmomever
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Dei uma lambida de leve no sorvete da Pi, que estava pingando no chão e ela, com o dedo em riste:
– O seu já acabou, mamai! Esse é o da Pi agora. Cada um com o seu.
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Pi fazendo força no meio da sala.
– Está fazendo cocô, filha? Quer usar o penico das princesas?
– Agora é tarde, mamai. Já FAZEU.
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Enquanto isso, Liló ratonilda, empacou de vez. Não anda, não quer andar e tem raiva de quem ande.
Focou toda sua energia em tagarelar por aí e repetir tudo que falamos.
Mas COMO não morrer de amor com uma recusa TÃO fofa?
Fui visitar a Catarina na internação e fiquei com o coração apertado, quando a encontrei encolhida em um canto, resignada, sem reagir:
Apesar da equipe ser incrível, super dedicada e amorosa – um verdadeiro privilégio! – é realmente muito difícil apagar catorze anos de sofrimento e abandono, eu sei.
Fiquei sentada no chão, fazendo cafuné, conversando com aquele fiapinho, até que, de repente, Catarina levantou. Se esfregou, pediu carinho, virou a barriga, tentou miar, parecia outra gata.
Não sei explicar o que se passou ali. Não sei se minha voz lembrou a de outra pessoa, se ela entendeu o que estava acontecendo ou se soube que eu seria a família dela de agora em diante.
Mas foi lindo de ser ver e me encheu de esperança.
Catarina vai se recuperar e ter o restinho de vida digno, que tanto merece, tenho certeza.
O olho operado, a ausência de dentes na boca e a castração indicam que Catarina teve dono um dia.
Porém isso não impediu que fosse jogada na rua já bem velhinha, cega e com problemas renais.
O resto do quadro gravíssimo é apenas decorrência natural do abandono: desidratação profunda, febre, infinitas pulgas, provável hemobartolenose e, claro, o medo.
Catarina foi resgatada de um bueiro, sem forças para levantar, nem comer.
Passou três dias sem atendimento veterinário até chegar aqui.
O maridón, vendo meu desespero, autorizou: “traga para casa, vamos cuidar dela”. Amigas queridas ofereceram ajuda com a conta, que certamente ficará estratosférica.
Já estava com tudo pronto e a internação encaminhada, quando chegou a última novidade: Catarina tem FIV (AIDS), meu calcanhar de Aquiles.
Nem imagino o que me fez abrir o e-mail com o pedido de ajuda hoje cedo, mas agora tenho certeza de que o lugar dela é comigo. Catarina é meu número, meu ponto fraco, desenhada para mim.
Estava escrito, eu sei.
Só espero que ela também saiba, não desista e lute para ficar.
Mal posso acreditar que aquela nanogata órfã, com cem gramas, cordão umbilical, olhinhos fechados, pneumonia, toda bagunçada, molenga, mais para lá do que para cá, sobreviveu e virou esse tufão atentado.
Cada dia é uma novidade: ela já se trancou no armário, já caiu dentro do box e passou a noite ensopada, já sumiu por horas a fio e foi encontrada dormindo no penico, já quebrou vaso, vela, telefone, pote, mamadeira, já ficou presa no bar e derrubou todos os copos de cristal (mas não se cortou, amém!), já se enroscou na grade e ficou piando alto até chegar o socorro, já rasgou um pacote inteiro de papel higiênico, já rolou a escada, já roubou cartela de remédio, já derrubou infinitas garrafas de água na minha cama, etc, etc, etc.
Chocar alguém com dezesseis bichos e dois bebês em casa não é tarefa para qualquer um. Sagui realmente é um fenômeno. Em menos de dois minutos, corre-pula-brinca-se-machuca-levanta-corre-pula-brinca-se-machuca em um looping eterno, canso só de assistir. Nem a Shae aguenta mais tanta energia.
Ao mesmo tempo pede carinho, me olha nos olhos, está sempre por perto, minha sombrinha. Toma café da manhã no meu colo, vive me dando beijinhos, dorme enroscada nos meus cabelos (às vezes os ataca, é bem verdade) e ronrona alto enquanto se estica no meu pescoço. Sobe e desce quantas vezes for atrás de mim. Arranha a porta, chorando magoada, se eu a esqueço do outro lado. Toma banho comigo, deita no lixo quando estou no banheiro, fica na pia enquanto escovo os dentes.
Lutar lado a lado para viver é algo muito forte, único, especial. Cria vínculos inexplicáveis.
Sagui não precisa saber falar para eu reconhecer sua gratidão.
E eu não preciso aprender a miar para ser a mãe dela.
Juntas somos a prova de que amor não escolhe espécie.